Por Ismael Rocha e Thiago Cesar: Cibersegurança na saúde é uma prioridade urgente na era da transformação digital. Hoje, é possível enviar exames em tempo real, monitorar pacientes à distância e utilizar máquinas inteligentes para tratamentos altamente precisos. No entanto, junto com esses avanços, emergiu um risco silencioso: dispositivos médicos conectados diretamente à internet sem proteção adequada.
Imagine uma bomba de infusão em uma UTI, administrando medicação crítica a um paciente grave, sendo acessada remotamente por um invasor, sem senha ou barreira de segurança. Parece ficção, mas é uma ameaça real.
Hospitais e clínicas, no Brasil e no mundo, já enfrentam esse tipo de exposição digital. Dispositivos essenciais à vida estão vulneráveis, colocando dados sensíveis e vidas humanas em risco.
Neste artigo, você vai entender por que dispositivos médicos conectados estão entre os principais alvos de ataques cibernéticos, quais são os riscos para instituições de saúde e o que pode ser feito para proteger pacientes, dados e sistemas. Leia até o final para conferir recomendações práticas e estratégicas.
A conexão que expõe
Compreender como a conectividade expõe hospitais a riscos cibernéticos é fundamental para fortalecer a cibersegurança na saúde.
Muitos dispositivos médicos modernos, como PACS, bombas de infusão, respiradores, monitores de sinais vitais e prontuários eletrônicos, foram projetados para operar em redes internas. Mas, por conveniência ou configuração inadequada, acabam sendo conectados diretamente à internet.
Sem proteção adequada, esses dispositivos abrem portas para invasores. Problemas comuns incluem:
- Interfaces web acessíveis sem autenticação
- Senhas fracas ou padrão de fábrica
- Protocolos desatualizados e inseguros (HTTP, Telnet, VNC)
- Portas vulneráveis expostas (como 104, 5800, 5900, 3389)
- Integrações mal configuradas com sistemas HIS, RIS e PACS
Ferramentas como o Shodan permitem localizar dispositivos médicos expostos com termos como “DICOM” ou “PACS”. O risco não é teórico: é uma ameaça concreta à infraestrutura hospitalar.
Por que dados de pacientes são alvos valiosos?
Os dados médicos armazenados por hospitais têm alto valor no cibercrime. Diferente de dados bancários, que podem ser substituídos, informações de saúde são permanentes e altamente exploráveis. Veja por quê:
Valor no mercado clandestino
Registros médicos completos são vendidos por valores até 50 vezes superiores a dados bancários. Eles permitem:
- Fraudes com planos de saúde
- Compra ilegal de medicamentos controlados
- Criação de identidades falsas
- Extorsão com base em diagnósticos sensíveis
Engenharia social
Com histórico médico em mãos, atacantes criam e-mails falsos altamente personalizados, como e-mails fingindo ser do hospital, laboratório ou plano de saúde. Isso aumenta as chances de sucesso em ataques de phishing, malware e ransomware.
Ransomware
Hospitais são alvos estratégicos por uma razão: a urgência e sensibilidade dos dados. Em muitos casos, atacantes criptografam sistemas hospitalares e exigem resgate com a ameaça de vazar informações sigilosas de pacientes. A pressão ética e operacional sobre a instituição frequentemente leva ao pagamento.
Persistência e exposição prolongada
Dados de saúde não expiram. Isso permite que grupos cibercriminosos os coletem, armazenem e usem gradualmente em golpes futuros, tornando o impacto prolongado e silencioso.
Espionagem
Em casos mais avançados, como ciberataques patrocinados por Estados, dados médicos podem ser usados como arma de inteligência — por exemplo, para rastrear vulnerabilidades em autoridades, militares ou executivos.
Casos reais de ataques no Brasil e no mundo
Ataques cibernéticos a dispositivos médicos e sistemas hospitalares não são hipotéticos — eles já estão acontecendo ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Abaixo estão alguns exemplos concretos que demonstram a gravidade da exposição de equipamentos médicos conectados:
- Brasil, ago/2024: um ataque cibernético paralisou por vários dias o acesso a exames e prontuários médicos em uma das maiores instituições de saúde da região.
- Brasil, set/2024: hospitais públicos e privados foram alvos de uma onda de ataques de ransomware, interrompendo atendimentos de emergência e afetando sistemas de suporte à vida.
- Alemanha, set/2020: um ataque a sistemas hospitalares resultou na indisponibilidade de serviços críticos, contribuindo indiretamente para a morte de uma paciente que não pôde ser atendida a tempo.
Esses incidentes mostram que os riscos não são hipotéticos — são concretos, urgentes e potencialmente fatais.
LGPD, privacidade e conformidade
A exposição de dispositivos médicos na internet não representa apenas um risco técnico, trata-se de uma violação direta à privacidade do paciente e às obrigações legais das instituições de saúde.
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) classifica informações de saúde como dados sensíveis, exigindo um nível elevado de proteção, controle e transparência no tratamento dessas informações. Isso significa que hospitais, clínicas e operadoras são legalmente responsáveis pela segurança dos dados médicos que armazenam e transmitem.
As implicações de falhas nessa proteção incluem:
- Multas e sanções administrativas: a LGPD prevê penalidades de até 2% do faturamento anual da instituição, limitada a R$ 50 milhões por infração.
- Responsabilidade civil: pacientes afetados por vazamentos ou acessos indevidos podem entrar com ações judiciais por danos morais e materiais.
- Danificação da reputação institucional: uma violação de dados médicos pode afetar diretamente a confiança da sociedade e impactar a imagem da organização.
- Conflitos éticos e regulatórios: órgãos como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a ANS e o Ministério da Saúde estabelecem diretrizes sobre confidencialidade e integridade das informações de pacientes.
Além disso, conforme já citado, os dados médicos comprometidos podem ser usados em fraudes, chantagens ou manipulação de benefícios — ampliando ainda mais o impacto de um incidente de segurança.
Recomendações para proteger a saúde digital
Para mitigar os riscos da exposição digital hospitalar, recomendamos:
Remover a exposição direta à internet
- Não conecte dispositivos médicos diretamente à internet pública.
- Utilize redes privadas virtuais (VPNs) e firewalls para controlar o acesso remoto.
Segmentar a rede hospitalar
- Separe dispositivos médicos da rede administrativa e da internet.
- Implemente VLANs e microsegmentação para limitar movimentos laterais em caso de ataque.
Manter firmware e software atualizados
- Estabeleça rotinas de atualização e correção de falhas em equipamentos médicos.
- Acompanhe os boletins de segurança dos fabricantes e aplique os patches recomendados.
Substituir senhas padrão e aplicar autenticação forte
- Altere senhas padrão de fábrica assim que o dispositivo for instalado.
- Adote autenticação multifator (MFA) para acessos administrativos.
Monitorar ativamente dispositivos e redes
- Use ferramentas de detecção de intrusão (IDS), SIEM e inteligência de ameaças para identificar anomalias.
- Mantenha logs de acesso e atividades para análise forense.
Realizar testes periódicos de segurança
- Promova varreduras de vulnerabilidade e testes de intrusão com frequência.
- Verifique conformidade com normas de segurança.
Treinar equipes clínicas e de TI
- Conscientize todos os profissionais sobre os riscos digitais presentes no ambiente hospitalar.
- Treine as equipes técnicas em boas práticas de segurança e resposta a incidentes.
Documentar políticas e planos de resposta a incidentes
- Tenha um plano de resposta a incidentes voltado à saúde, com ações específicas para dispositivos médicos.
- Inclua esses dispositivos nos planos de contingência e continuidade operacional da instituição.
Transformação digital com segurança: o caminho sustentável para o setor de saúde
A digitalização da saúde salva vidas, mas também expõe sistemas e pessoas a riscos cibernéticos graves. Dispositivos conectados sem proteção são portas abertas para ameaças que comprometem não apenas a continuidade do atendimento, mas a vida dos pacientes.
Garantir a segurança digital hospitalar é urgente. E começa com visibilidade, boas práticas e uma cultura de cibersegurança que envolva toda a instituição. Fale com nossos consultores e saiba como proteger seu ambiente.